quinta-feira, 17 de março de 2011


VIRTUDE

Por Zé da Cuia


O Verbete intenciona levar o indivíduo a entendê-lo como uma disposição estável em ordem a praticar o bem; apresenta um efeito além de uma tenra potencialidade ou uma aptidão para uma determinada ação que seja “boa”: é verdadeiramente uma inclinação.

A virtude situa-se no campo metafísico, não tem em si um “prazo de validade”. Incorpora-se aos seus valores, adquiridos ao longo do caminho trilhado no esforço próprio. Virtudes compõem o conjunto de hábitos condutores do homem ao bem individual e como espécie, pessoalmente e coletivamente.

Historicamente o estudo da virtude teve seu início com Sócrates (470-399 a. C.), que tem a virtude como o fim da atividade humana e se identifica com o bem que convém à natureza humana.

Platão (429-347 a. C.) - Desenvolve a doutrina de Sócrates. Apresenta a virtude como meio para atingir a bem-aventurança. Descreve as quatro virtudes cardeais: a sabedoria, a fortaleza, a temperança e a justiça.

Ao conceito já esboçado como hábito, de qualidade ou disposição permanente do ânimo para o bem, Aristóteles (384-322 a. C.) acrescenta a análise de sua formação e de seus elementos. As virtudes não são hábitos do intelecto como queriam Sócrates e Platão, mas da vontade. Para Aristóteles não existem virtudes inatas, mas todas se adquirem pela repetição dos atos, que gera o costume. Os atos, para gerarem as virtudes, não devem desviar-se nem por defeito, nem por excesso, pois a virtude consiste na justa medida, longe dos dois extremos.

O peso dos escritos cristãos fez com que se acrescentasse às virtudes cardeais, as virtudes teologais. Agostinho de Hipona (354-430) diz que "a virtude é uma boa qualidade da mente, por meio da qual vivemos retamente". Tomás de Aquino (1225-1274) diz que "a virtude é um hábito do bem, ao contrário do hábito para o mal ou o vício".

Entre os filósofos não cristãos da modernidade requer especial atenção o sistema kantiano. Kant (1724-1804), em certo sentido, volta às doutrinas estóicas, enquanto procura formular uma ética que seja fim de si mesma, sem leis heterônomas, nem sanções. Contudo a Crítica da Razão Prática, que cria a nova moral, não fala de virtude, apenas de moralidade, que consiste essencialmente no cumprimento do dever, dos imperativos categóricos que a razão autônoma dita. Embora por outros caminhos, caiu no mesmo erro dos antigos estóicos, dando-nos uma ética vazia, que se destrói a si mesma, negando todo legislador, toda sanção, todo o fim ulterior de nossas ações.

Aspecto Prático da Virtude - Além do aspecto teórico da sua conceituação, estritamente conexo com o sistema filosófico agregador da Ética, apresenta um aspecto prático de vivo e permanente interesse: como formar e desenvolver a virtude. É o campo da Psicologia Educacional e da Pedagogia. No educador exige antes de tudo o bom exemplo, tão necessário, especialmente no trato com as crianças, incapazes de longos raciocínios e vivamente levadas à imitação.

Na conceituação aristotélica “a virtude é portanto uma disposição adquirida voluntária, que consiste, em relação a nós, na medida, definida pela razão em conformidade com a conduta de um homem ponderado. Ocupar-se-á da média entre duas extremidades lastimáveis, uma por excesso, a outra por falta. Enquanto, nas paixões e nas ações, o erro consiste ora em manter-se aquém, ora em ir além do que é conveniente, a virtude encontra e adota uma justa medida. Por isso, embora a virtude, segundo sua essência e segundo a razão que fixa sua natureza, consista numa média, em relação ao bem e à perfeição ela se situa no ponto mais elevado”. (Ética a Nicômaco, II, 6).

Alguns termos são fundamentais para fazer-nos entender mais claramente o texto filosófico, é providencial localizar os termos mais importantes, e suas noções: Virtude (arétè) designa toda excelência própria de uma coisa, em todas as ordens de realidade e em todos os domínios. Aristóteles a emprega assim, embora lhe acrescente o valor moral.

Disposição (héxis) define-se como uma maneira de ser adquirida. O latim traduziu héxis por habitus. A virtude só será habitus se se retirar desse termo o caráter de disposição permanente e costumeira, mecânica, automática.

Mediedade (mésotès): este termo remete tanto ao termo médio de um silogismo quanto à média (ou ao meio termo) que caracteriza a virtude.

Aristóteles parte de um conceito geral delimitando-o depois, consumando que a virtude é média e ápice. Inicialmente diz que a virtude é agir de forma deliberada; depois, fala em agir em prol do mais alto bem. Ao falar dela como héxis, enfatiza uma capacidade adquirida, constante e duradoura, o que elimina a pretensa qualidade inata. Assim, ao se comportar moralmente, o homem deve também se comportar racionalmente. Uma razão que já passou pela prova dos fatos; a mediedade, diz ele, é a que o homem prudente determinaria. E determinaria em função dos homens superiores a ele. Por isso é oportuno aconselhá-los a imitarem os melhores.

A mediedade opõe-se a dois vícios simétricos: o excesso e a falta: a natureza moral jamais é natural, e sim o resultado de uma maneira de ser adquirida – para mais ou para menos –, o que representa sempre um excesso. Por exemplo, a coragem é virtude delimitada por essa falta que é a covardia e esse excesso que é a temeridade. A virtude revela-se, portanto como um meio termo.

A virtude não é assim uma média aritmética dos excessos para mais ou para menos, ela é o vértice de eminência, é ela quem diz qual é o vício para cima ou para baixo. É aquele que pode menos fazendo mais, e o que muito pode nada fazendo.

Ao longo do tempo e da história, as virtudes foram classificadas em Cardeais e Teologais. As virtudes cardeais são aquelas essenciais. São em número de quatro: prudência, fortaleza, temperança e justiça. Funcionam como uma dobradiça, pois todas as outras devem girar ao redor destas. Isto decorre da etimologia da palavra cardeal (cardo = gonzo = dobradiça).

Prudência - É aquela virtude que permite ao entendimento reflexionar sobre os meios conducentes a um fim racional.

Fortaleza ou valentia - Consiste na disposição para, em conformidade com a razão, em atenção a bens mais elevados, arrostar perigos, suportar males e não retroceder, nem mesmo ante a morte. A paciência, por exemplo, é uma virtude subordinada à fortaleza, e consiste na capacidade constante de suportar adversidades.

Temperança - Consiste em aperfeiçoar constantemente a potência sensitiva, de modo a conter o prazer sensual dentro dos limites estabelecidos pela sã razão. Destarte, a moderação é a temperança no comer, a sobriedade no beber, a castidade no prazer sexual. São aparentados com a temperança: a negação ou domínio de si mesmo, a vontade de não se deixar desviar do bem, nem sequer pelas mais violentas excitações do desejo.

Justiça - Consiste ela na atribuição, na equidade, no considerar e respeitar o direito e valor que são devidos a alguém, ou a alguma coisa.

No campo da religiosidade a Fé, a Esperança e a Caridade são chamadas virtudes teologais, porque não são elas produtos de um hábito, pois o homem não as adquire através de seu próprio esforço.

A Fé é o assentimento do intelecto que crê, com constância e certeza, em alguma coisa. A prudência, a fortaleza, a justiça e a moderação podem ser adquiridas. Ninguém gesta dentro de si a Fé; ou a tem, ou não.

A Esperança é a expectação de algo de superior e perfeito. A Esperança não é o produto de nossa vontade, mas de uma espontaneidade, cujas raízes nos escapam, porque não é ela genuinamente uma manifestação do homem, mas algo que se manifesta pelo homem, porque não encontramos na estrutura de nossa vida biológica, nem da nossa vida intelectual, uma razão que a explique.

A Caridade é a mãe de todas as virtudes como dizem os antigos, e diziam-no com razão: é a raiz de todas as virtudes, porque ela é a bondade suprema para consigo mesmo, para com os outros, para com o Ser Infinito. A caridade, assim, supera a nossa natureza, porque, graças a ela, o homem avança além de si mesmo, além das suas exigências biológicas.

Não é o produto de uma prática, porque pode o homem praticar a caridade sem tê-la no coração; pode o homem exibir uma crença firme, sem alentá-la em seu âmago; pode o homem tentar revelar aos outros que é animado pela esperança, sem ressoar ela em sua consciência.

Ao longo da nossa estadia no planeta terra, adquirimos uma série de hábitos negativos. Alguns deles são visíveis como as práticas do tabagismo e alcoolismo; outros, nem tanto. É que costumamos disfarçá-los ao máximo, para que não se tornem muito evidentes. Nesse sentido, à gula damos o nome de necessidade proteínica; à lascívia chamamos necessidade fisiológica; a ira é embelezada com a expressão paradoxal: “cólera sagrada”; a cobiça é encoberta com a desculpa da previdência; a preguiça disfarçamos com a necessidade de repouso, quando não com a esperteza que faz os outros produzirem por nós.

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