quinta-feira, 17 de março de 2011

O Amante de Lady Chatterley

Por Zé da Cuia


Após o contato com as obras “Mulheres Apaixonadas”, “O Arco Íris” e “O Amante de Lady Chatterley” do extraordinário autor inglês David Herbert Lawrence Richards, me ocorreu a idéia de fazer esse breve comentário sobre o terceiro título. Publicado em 1928, “O Amante de Lady Chatterley” foi considerado imoral e pornográfico pela crítica inglesa, sendo proibido na Inglaterra por 32 anos. O livro só pôde sair no exterior, enfrentando ainda assim muitas dificuldades. Apesar de ser inglês, o autor não chegou a ver a sua obra publicada no seu país, pois veio a falecer em 1930 com apenas 44 anos, vitimado pela tuberculose que o acompanhara por quase toda a vida. A OBRA - Constance, a Lady Chatterley, casara-se com Clifford. Ela era uma mulher liberal que tivera a primeira experiência sexual antes do casamento; ele era um aristocrata conservador. O relacionamento sexual entre eles fora um fracasso e durara pouco porque, logo depois do casamento, ele partiria para a guerra e voltaria impotente. O casal foi morar na mansão Wragby Hall, nas proximidades das minas de carvão de Clifford. Constance sentiu-se oprimida com o local e com a impotência do marido. Isso a levou envolver-se com um escritor que frequenta a casa do casal. Contudo, o escritor Michaelis sofre de ejaculação precoce. Então ela não consegue se satisfazer com ele e acaba se afastando do escritor. Depois, ela adoeceu e partiu para tratar-se em Londres, retornando posteriormente a Wragby Hall. Agora que o marido tem uma enfermeira para cuidar dele, ela tem toda a liberdade para sair; e num dos passeios pela floresta se encontra com Mellors, o guarda caça de Clifford. Ele até que tenta evitar qualquer tipo de intimidade com a mulher do patrão, mas não consegue. Esses encontros acabam num relacionamento afetivo e sexual.

Enquanto isso, à medida que ela vai se afastando do marido, a enfermeira Sra. Bolton vai se tornando mais íntima do marido de Constance. Lady Chatterley engravida de Mellors e a enfermeira insinua para os visinhos que o filho não é do marido. Para evitar um escândalo, Constance viaja com a irmã e o pai para Veneza, com o objetivo de arrumar um amante para dar um herdeiro ao esposo. Tudo com autorização de Clifford. O amante, porém, não concorda; mas, aos poucos acaba cedendo para evitar a descoberta do relacionamento entre ambos. Por infelicidade, enquanto ela está em Veneza, a esposa de Mellors retorna e é rejeitada. Ele vai para a casa da mãe e Constance é avisada. Mellors discute com o patrão e é despedido. Constance e o amante se encontram em Londres e depois ela volta a casa para comunicar ao marido que quer o divórcio. Clifford não aceita dar o divórcio. Clifford e a Sra. Bolton dividem o mesmo espaço e mantém um relacionamento afetivo similar ao de mãe e filho. Constance e Mellors guardam distância para manter as aparências até estarem em condições de assumir definitivamente seu relacionamento. A obra gira quase inteiramente em torno dos quatro principais personagens. O autor procura descrevê-los de acordo com o papel que vai representar na obra. Constance é descrita de forma a mostrar o que era antes e depois do casamento, e posteriormente o que veio a ser após o encontro com Mellors. Além disso, é importantíssima a origem abastarda, a educação livre e o sexo antes do casamento. Teve uma intimidade maior antes do casamento do que com o esposo.

Apesar de se sentir infeliz sexualmente no casamento, é uma mulher segura de si mesma. É importante notar que ela se modifica sensivelmente ao longo da narrativa. Até se envolver com Mellors, ela não tivera um relacionamento pleno com um homem; e quando o tem, se afasta progressivamente do marido até abandoná-lo para ficar com o amante. Mellors difere de todos os outros personagens. Levou uma vida errante, casou-se, teve uma filha e separou-se partindo para as colônias. Ao retornar, empregou-se como guarda-caça de Clifford. É um homem solitário, avesso ao convívio social e procura levar uma vida tranqüila junto à natureza. Não se importa com o dinheiro e também não pretende envolver-se com nenhuma mulher; por isso deseja ficar só e desliga-se completamente do mundo exterior, refugiando-se na floresta. Não era um homem bonito, mas atraente. Além disso, era sincero, pouco exigente em matéria de amor e, apesar de dominar o inglês, prefere usar um dialeto vulgar. Clifford é um homem rico e poderoso. Dono de Wragby, da mina e da vila, casou-se com Constance e logo depois foi para a guerra retornando mutilado e impotente. Obrigado a viver numa cadeira de rodas. Por isso, não têm ligação sexual alguma com a esposa. Depois de curar-se dos ferimentos, passa a dedicar-se à literatura. Incentivado, porém, pela enfermeira, ele abandona a literatura e entrega-se à administração de sua mina. Apesar de tradicionalista e aristocrático, é capaz de admitir que a esposa tenha um filho de outro homem para continuar sua linhagem. Contudo, o seu status social não o impede de ter um comportamento infantil do início ao fim da obra. A enfermeira Bolton, é uma viúva e tem duas filhas adultas. Ela acredita que todos os homens não passam de bebês. E é com esse comportamento que ela vai influenciar o paciente. Logo de início, ela conquista a confiança e a atenção do patrão. Além disso, ela é uma mulher que gosta de fofocar sobre a intimidade de todos os moradores da vila. Inclusive é ela quem espelha pela vila a notícia de que Constance está grávida e que o filho provavelmente não era do esposo. Ela também é uma mulher de grande bom senso e dona de certo cepticismo. Esses personagens, na verdade, formam dois pares: Constance/Mellors o casal saudável e Sra. Bolton/Clifford o casal doentio. Além desses personagens, há os personagens secundários como: Sir Malcolm, pai de Constance, que é um homem sensual e aberto, e responsável pela educação liberal da filha; Michaelis, o primeiro amante de Constance, é um homem atirado, cínico e dissimulado que não conseguia satisfazer sexualmente a parceira por ter ejaculação precoce; Tommy Dukes, amigo de Clifford, é um homem culto, valoriza mais a contemplação que a especulação filosófica e admite que o sexo é importante nas relações entre homens e mulheres; Leslie Winter, o padrinho de Clifford, é um velho aristocrata conservador que acredita nas teorias racistas em voga no início do século; Hilda, a irmã mais velha de Constance, que não admite relacionamento entre pessoas de classes diferentes e, mesmo assim, ajuda a irmã a se encontrar com Mellors. TEMPO E ESPAÇO - A obra segue um roteiro rigorosamente cronológico, cobrindo um período de aproximadamente um ano. Começa com o casamento de Clifford e Constance em 1917 e vai até a carta que Mellors escreve para a amante, na primavera seguinte. A vida dos personagens está condicionada aos ciclos naturais. Apesar da ausência específica de datas, é possível concluir que a narrativa é linear.

O espaço é aberto. Essa parece ser uma preocupação do autor, pois há uma clara distinção entre espaço social e natural e que chega a ser quase uma oposição. Enquanto o primeiro é sempre pesado, feio, deprimente e opressivo o segundo é belo, saudável e agradável. Apesar de que não há quase sempre descrição detalhada dos ambientes fechados, eles sempre refletem a personalidade de seus habitantes. Além disso, o autor adota sempre uma perspectiva realista em relação ao espaço social e suas mudanças não passam despercebidas ao narrador. O livro é narrado em terceira pessoa, com o narrador demonstrando saber tudo do começo ao fim da obra. Ele, por sua vez, adota uma posição favorável às mulheres. Em alguns momentos, ele partilha as mesmas sensações e os mesmos ideais com as personagens. MENSAGEM - A obra faz uma clara distinção entre os dois tipos de relacionamento, nos dando a impressão que a intenção do autor foi justamente nos levar a optar entre um e outro. Você poderá optar pelo relacionamento Constance/Mellors ou pelo Sra. Bolton/Clifford. No primeiro caso, está o relacionamento saudável, representado pelos Amantes. A união entre os dois rompe com todas as convenções sociais. Constance e Mellors são, a bem da verdade, apenas um homem e uma mulher que desejam levar ao limite todas as possibilidades de sua união. Isso é confirmado pela plena satisfação sexual que obtém nos contatos físicos. E é justamente essa satisfação que mantém estável emocionalmente o relacionamento entre os dois. No segundo caso, está o relacionamento doentio entre o paciente e sua enfermeira. Isso fica evidente pelo tratamento que ela dispensa a Clifford, tratando-o como um bebê e por optar pela intimidade doentia com ele a se casar com outro homem. Diante de tantas evidências apresentadas no romance, é possível afirmar que a ligação entre o primeiro casal é fruto de suas inclinações naturais, enquanto a ligação do segundo casal é resultado de seus desvios emocionais que podem ser entendidos como regressão. Isso nos leva a entender o porquê da preocupação do autor com na caracterização psicológica dos personagens. Essa caracterização não é nada mais nada menos que uma forma de mostrar a afinidade associativa. Afinidade essa que faz com que pessoas semelhantes no comportamento psicológico tendem a se aproximar uma da outra. Acreditando nessa afinidade, o autor quis mostrar que nenhuma convenção social é capaz de impedir que duas pessoas semelhantes se aproximem. Mesmo quando essas duas pessoas são de classes, nível cultural e estilo de vida tão diferente. Sabendo-se que D. H. Lawrence era um homem culto, ele pode ter sido influenciado pelas teorias de Freud ao escrever este romance; uma vez que a ênfase dada ao sexo na construção da personalidade é produto das teorias freudianas. A conclusão que se chega ao final da história é que o livro é uma obra que se aproxima do Realismo. Isso pode ser afirmado pelo tratamento dispensado ao espaço social e a traição. Este último, porém, não tem a importância na obra como teve no Realismo. Outra coisa que a diferencia um pouco do realismo é a conduta dos personagens com relação à raça e meio. Aqui o que importa são as necessidades sexuais do casal Constance/Mellors e não os outros detalhes. Outra coisa importantíssima é se o livro é uma obra pornográfica ou não. Essa é uma controvérsia difícil de resolver; mas, se analisarmos bem a obra e todo o conjunto das obras do autor, é possível chegar a conclusão de que não. O livro “O Amante de Lady Chatterley”, apesar das descrições de atos sexuais, não é uma obra pornográfica. Isso fica evidente na diferenciação que o autor faz ao descrever o sexo antes e depois do início do relacionamento entre Mellors e Constance. Ao verificarmos, fica evidente a diferença entre o ato físico e sentimento que o envolve. O autor quis mostrar que fazer sexo sem amor é uma coisa e fazer amor é outra totalmente diferente. Também é possível afirmar que a proibição à obra é mais resultado dos preconceitos da época do que o conteúdo da obra.

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